Um demógrafo destaca que a identificação de “zonas azuis” se fundamentou em dados epidemiológicos com falhas significativas.
É comum ouvir que os japoneses têm uma longevidade notável, com Okinawa sendo mencionada como a região com a maior taxa de centenários do mundo. Na Itália, a Sardenha é reconhecida pela mesma fama.
Saul Newman, demógrafo das universidades de Londres e Oxford, conduziu uma pesquisa sobre a longevidade em cinco locais frequentemente citados como lar de supercentenários — pessoas com mais de 110 anos: Okinawa (Japão), Sardenha (Itália), Icaria (Grécia), Loma Linda (Califórnia) e Nicoya (Costa Rica).
Essas áreas foram rotuladas como “zonas azuis”, um título que atraiu turistas e gerou interesse econômico. Há uma curiosidade crescente sobre a dieta dos moradores, seus hábitos diários, atividades físicas e medicamentos utilizados.
Entretanto, o estudo de Saul Newman trouxe à tona resultados surpreendentes: a seleção dessas zonas azuis baseou-se em dados epidemiológicos repletos de erros e viés estatístico que nunca deveriam ter sido aceitos pela comunidade científica.
Nos Estados Unidos, por exemplo, em épocas em que o registro de nascimentos e mortes não era rigoroso, havia um grande número de supercentenários. A introdução de certidões de nascimento e atestados de óbito fez com que esse número caísse entre 69% e 82%.
Em países como Itália, França e Inglaterra, onde os registros são mais consistentes, a pesquisa revelou que a longevidade da população é afetada por fatores como pobreza, condições de saúde precárias, baixa renda per capita e alta criminalidade. Nesses lugares, apenas 18% dos indivíduos considerados supercentenários resistiram a uma verificação rigorosa das certidões.
Nos Estados Unidos, esse número se aproxima de zero. De 500 pessoas que alegavam ter mais de 110 anos, apenas sete possuíam certidão de nascimento e apenas 50 tinham atestado de óbito.
Newman também constatou que cerca de 70% dos centenários na Grécia faleceram antes de atingir essa idade, mas suas famílias continuavam a receber aposentadorias. Investigações recentes apontaram que mais de 9.000 gregos estariam nessa situação, alegando ter mais de 100 anos.
O autor analisa detalhadamente o caso de Okinawa, frequentemente mencionado como um exemplo de longevidade desde 2004. Revisões feitas por órgãos governamentais revelaram que Okinawa possui a segunda menor renda do Japão, a maior porcentagem de idosos dependendo de auxílio previdenciário, o segundo menor salário mínimo e os maiores índices de desemprego do país. Entre os cidadãos considerados centenários, 82% já haviam falecido há anos.
Os dados sobre o consumo de peixes gordurosos e vegetais, como a batata-doce, que anteriormente sustentavam a ideia da longevidade local, apresentaram erros significativos. Okinawa, na verdade, tem o menor consumo per capita de frutas e vegetais do Japão e é a região que mais consome cerveja e “Kentucky Fried Chicken”, além de ter índices de massa corporal (IMC) elevados entre os idosos.
Na realidade, Okinawa, Sardenha e Icaria são áreas empobrecidas em países desenvolvidos. Apesar de serem rotuladas como zonas azuis, essas regiões têm níveis educacionais mais baixos e indicadores de saúde precários. A aparente longevidade é, em grande parte, fruto de manipulações políticas, viés estatístico e fraudes previdenciárias. Quando Icaria foi reconhecida como zona azul, apresentava índices de obesidade superiores aos dos Estados Unidos.
Loma Linda e Nicoya não se destacam pelo número de supercentenários, mas pela alta expectativa de vida média da população. Contudo, dados recentes do CDC mostraram que Loma Linda não está entre as cidades americanas com maior longevidade.
Em Nicoya, um fenômeno similar é observado: no censo de 2000, essa região apresentava um dos menores índices de longevidade da Costa Rica.
Em uma entrevista ao jornalista André Biernath, da BBC, Newman declarou: “Para mim, esses erros foram ignorados porque, primeiramente, há algo muito lucrativo a ser vendido. Em segundo lugar, as pessoas desejam soluções fáceis para problemas que demandam esforço intenso.”